quarta-feira, 1 de setembro de 2010

IMPEDINDO QUE A DÚVIDA SE TRANSFORME EM BLASFÊMIA




Muitos estão familiarizados com a história do patriarca Jó. Sabem de como Satanás questionou a sinceridade de sua fé e de como Deus confiou na integridade de seu servo, sabendo que ele não O negaria, mesmo diante de duras aflições.

Jó perdeu seus filhos, suas posses e sua saúde. O consolo oferecido por seus amigos foi pífio. Mesmo assim, não blasfemou contra o Senhor.

Uma das passagens memoráveis do livro é a declaração em 1.21, quando o patriarca é notificado das tragédias que se abateram contra sua casa: "Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!"

Ao final, a fé de Jó triunfa, vencendo as adversidades que puseram-no à prova.

Todos estes detalhes serviram para alçar Jó à categoria de campeão da fé e exemplo de paciência. Aliás, temos até a expressão "paciência de Jó", inspirada em sua trajetória.

É justo que tenhamos tal respeito por este personagem bíblico - mas comete um grave erro quem acredita que o patriarca passou por seu período de dificuldades de forma apática e impassível, sem sentir o impacto da crise em que viveu. Algumas das próprias declarações de Jó durante seu sofrimento nos mostram algumas das perturbações de seu coração:

Pereça o dia em que nasci e a noite em que se disse: Foi concebido um homem! (3.3)

Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? (3.11)

Porque as flechas do Todo-Poderoso estão em mim cravadas, e o meu espírito sorve o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam contra mim. (6.4)

Quem dera que se cumprisse o meu pedido, e que Deus me concedesse o que anelo! Que fosse do agrado de Deus esmagar-me, que soltasse a sua mão e acabasse comigo! Isto ainda seria a minha consolação, e saltaria de contente na minha dor, que ele não poupa; porque não tenho negado as palavras do Santo. (6.8-10)

Ainda que o chamasse, e ele me respondesse, nem por isso creria eu que desse ouvidos à minha voz. Porque me esmaga com uma tempestade e multiplica as minhas chagas sem causa. Não me permite respirar; antes, me farta de amarguras. (9.16-18)


Direi a Deus: Não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. Parece-te bem que me oprimas, que rejeites a obra das tuas mãos e favoreças o conselho dos perversos? Tens tu olhos de carne? Acaso, vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do mortal? Ou são os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniqüidade e averiguares o meu pecado? Bem sabes tu que eu não sou culpado; todavia, ninguém há que me livre da tua mão. As tuas mãos me plasmaram e me aperfeiçoaram, porém, agora, queres devorar-me. (10.2-8)

Por que escondes o rosto e me tens por teu inimigo? (13.24)

Em paz eu vivia, porém ele me quebrantou; pegou-me pelo pescoço e me despedaçou; pôs-me por seu alvo. Cercam-me as suas flechas, atravessa-me os rins, e não me poupa, e o meu fel derrama na terra. Fere-me com ferimento sobre ferimento, arremete contra mim como um guerreiro. (16.12-14)

A experiência de fé de Jó não se caracterizou apenas pela paciência e declarações confiantes, mas também pela perplexidade e pela dúvida.

Às vezes, parece até que Jó blasfema, fracassando assim no teste de sua fé, tal como Satanás esperava.

Todavia, ao revelar-se para Jó, no clímax final da história (caps. 38-42), Deus rejeita os conceitos simplistas e artificiais que os amigos de Jó teceram a fim de “consolá-lo”, declarando que eles não haviam falado o que era reto sobre Ele, ao contrário de Seu servo Jó (42.7).

Como explicar isso?

Como entender a postura divina diante das dúvidas do patriarca?

O segredo da fé de Jó não é que ela foi uma fé isenta de conflitos, mas o fato de constantemente apresentar a Deus estes conflitos. Ao ver seu mundo ruir e tudo perder o sentido, o patriarca venceu por compreender resolutamente que somente Deus poderia trazer sentido a tudo, e pela fé, assim Jó não desistiu de buscar este sentido na pessoa de Deus – Jó sabia que somente Deus possui a chave que desvenda os enigmas da vida, inclusive o importante fato que somente Deus pode resolver o enigma sobre Deus.

As dúvidas de Jó faziam parte de um processo de amadurecimento na fé. A fé não nega a dúvida, mas é fortalecida ao enfrentá-las com honestidade. As “soluções” que os amigos de Jó lhe ofereciam eram apenas uma maneira simplista de compreender a experiência humana, fugindo da complexidade da vida e da experiência com Deus, apresentando um Deus “reinterpretado”, reduzido à imagem de seus conceitos medíocres – a fé de Jó não pôde aceitar tal ofensa ao ser de Deus, e este concordou com o patriarca.

A fé aceita não compreender e continuar buscando em Deus respostas. A fé sabe que somente Ele as tem! A fé aceita não camuflar seus conflitos e sentimentos. A fé sabe que somente Ele pode compreender! A fé aceita vivenciar em Deus conflitos e vitórias, ao passo que a incredulidade que “reinterpreta” de forma enganosa a Deus, se aproxima mais da blasfêmia do que as pungentes declarações do patriarca em meio ao sofrimento.

E, por esta fé, Satanás foi derrotado. O livro de Jó nos ensina que é possível vencê-lo, mesmo através das crises.

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