domingo, 27 de fevereiro de 2011

SÉRIE: LIÇÕES PRECIOSAS QUE PODEMOS APRENDER... COM QUEM JAMAIS ESPERARIAMOS! (I)

PAULO MALUF

"Falem mal, mas falem de mim" é um dos muitos lemas do famigerado "rouba, mas faz" (aquilo que, em períodos de menor conscientização, os brasileiros entendem como o perfil de um bom político).

Apesar dos pesares, Maluf acerta nesta expressão, dando-nos uma relevante lição acerca da necessidadede não dependermos excessivamente da imagem que terceiros fazem de nós para construirmos nossa auto-imagem.

A psicologia (em especial a psicanálise) tem destacado que muitas obsessões modernas (aparência, peso, vestes, sucesso econômico) estão antes relacionados à necessidade de causar uma boa impressão em terceiros do que a uma necessidade real do indivíduo - ou seja, queremos que falem bem de nós.

A Psicanálise afirma que isto é um resquício nostálgico da infância, da experiência que o recém-nascido tem de ser especial aos olhos de sua mãe - uma experiência que o ser humano deseja recuperar ao longo de sua vida.

Depender excessivamente da opinião de terceiros é sinal de falta de amadurecimento...

Não nego que a comunidade cristã seja um lugar de cuidado mútuo, que requer prestação de contas mútua de todos seus membros. Devemos nos preocupar com o que falam de nós na medida em que isto satisfaça a necessidade de prestar contas acerca de nosso testemunho cristão à Igreja, porque não nos é lícito causar escândalo ao Evangelho.
Todavia, nem tudo o que falam de nós é justo - e, pior, não podemos impedir que falem.

Mas, em contrapartida, nosso matreiro político nos ensina que não temos que concordar com o que falam, cabendo a nós decidir o nível de importância que daremos a estas palavras - que, em certos casos, pode ser nenhuma importância.

Somente Deus sempre terá as palavras certas para falar acerca de nós - elogiosas ou repreensivas; elogiosas como um incentivo à gratidão humilde, e repreensivas para que melhoremos, não estagnando nossas vidas na conformidade com o erro, mas somente as palavras dEle merecem nossa atenção e aceitação incondicional, posto que são sempre verdadeiras e expressam aceitação, nunca rejeição.
Diante dos homens, todavia, será necessário "malufar" de vez em quando - para o bem de nossa própria saúde interior.
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PS: Mas nada disto é um incentivo para você votar no Maluf, OK?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

UMA EXEGESE INADEQUADA


Exegese é o processo de extrair informações do texto bíblico, enquanto a hermenêutica consiste na interpretação destas informações.

Podemos dizer que a exegese está para o ato de garimpar, enquanto a hermenêutica seria a análise do minério.

E a Teologia, enquanto construção de conhecimento sobre Deus, seria o produto final, a jóia obtida, dentro do raciocínio da ilustração empregada, por ser resultado direto da exegese e hermenêutica utilizadas no trato com o texto bíblico.

Uma das mais populares leituras de 2 Reis 4.23-26 é a que interpreta as palavras da sunamita, que acabara de perder seu filho, como uma grande expressão de fé.

«Vai tudo bem», disse ela a seu esposo e a Geazi, após a tragédia.

Por conta disso concluiu-se que, para um homem ou mulher de fé, sempre "está tudo bem", independente dos infortúnios que possa estar sofrendo. E não poucas vezes ouvi eloquentes exortações no sentido de que assim deveriam se portar os fiéis.

(Desconfio, inclusive, que tal interpretação teria sido a base do hino 52 da Harpa Cristã.)

Os fatos narrados na própria passagem, contudo, não apóiam tal interpretação.

Aquela mulher se expressara desta forma porque não podia compartilhar o que sentia com seu marido (talvez para não preocupá-lo), nem com Geazi (que não era confiável).

Reação totalmente diferente ela teve diante de Eliseu, homem de Deus: ela lançou-se sob seus pés e deu vazão à sua dor.

"Chegando ela, pois, ao homem de Deus, ao monte, abraçou-lhe os pés. Então, se chegou Geazi para arrancá-la; mas o homem de Deus lhe disse: Deixa-a, porque a sua alma está em amargura, e o SENHOR mo encobriu e não mo manifestou". (2º Reis 4.27)

Ou seja, “vai tudo bem” nem sempre é sinônimo de grande fé, mas de grande solidão.

Não ignoro que, no sentido geral, todas nossas dificuldades devem ser colocadas diante da cruz (Paulo ensinou isto em 2 Coríntios 4.16-18) – e realmente elas tornam-se pequenas diante dela e da certeza do amor eterno de Deus (como certo irmão expressou, de forma comovente, em oração “Senhor, somente a salvação já estaria bom demais para nós”, mas acrescentou “... mas ainda assim, venho a Ti buscar uma vitória, porque estou necessitado”).

Ou seja, Deus sabe de nossas carências. Não precisamos fingir que não dói. Ele sabe.

Bancar o “Superman” religioso contribui apenas para minar a intimidade do relacionamento com Deus - e também com os outros.

Sim, pois a Igreja é uma comunidade que deve prestar apoio mútuo (Gálatas 6.2), e isto se torna impossível em um ambiente onde não haja a transparência necessária para expressar o que se passa no coração – seja por uma impostura teológica errônea, ou pela falta de credibilidade dos cristãos.

Este é o principal problema com esta má interpretação do episódio da sunamita:Transforma a fé em bravata, artificializando relacionamentos.

A maneira sábia como Eliseu acolheu aquela mulher pode nos orientar sobre como ajudar a ficar bem aqueles que não estão: 
 
  1. Ele se mostrou acessível, permitindo que ela abraçasse seus pés;
  2. Ele não recriminou a sunamita por vê-la naquele estado (não falou coisas como "que é isso, mulher, isso não é coisa de crente!" - e chavões do gênero); 
  3. Ele a protegeu, não permitindo que o incompreensivo Geazi a perturbasse; 
  4. Não menosprezou sua dor
  5. Não mistificou desnecessariamente a situação ("a sua alma está em amargura, e o SENHOR mo encobriu e não mo manifestou");
  6. Prestou ajuda prática (como veremos nos versículos 28 a 37)

Certamente isto é mais eficaz, por ser bíblico, que proferir e ensinar a proferir bravatas.