quinta-feira, 24 de junho de 2010

JOSÉ, NÃO SEJA MANÉ!


JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?

O poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, fala de alguém que se viu na encruzilhada da vida – o momento crítico em que os sonhos, projetos e prazeres parecem não mais funcionar e tampouco fazem sentido.

Só restavam duas opções: entregar os pontos ou uma guinada, um recomeço.

Foi precisamente neste ponto que muitos “Josés” se encontraram com Deus e recomeçaram sua vida de um jeito melhor.

É engraçado que muitos, ao pensar nestes "Josés", os recriminam (muitas vezes de forma zombeteira), por considerar  um sinal de covardia refugiar-se em Deus quando tudo parece perdido.

O Evangelho e a sua humilhação da auto-suficiência humana nunca deixarão de ser um escândalo.

Mas a pergunta de Drummond paira, impiedosa e realista, diante do ceticismo e orgulho humano: “você marcha, José! José, pra onde?”

Quem pode propor um caminho melhor para "José" que os braços amorosos de Deus?

Pois é precisamente quando descobre o poder salvador do Evangelho que José descobre como, para onde e porque marchar.

E é desta forma, ao livrar-se do fardo de reinventar sozinho sua vida, que "José" prova que não é "Mané".

sexta-feira, 18 de junho de 2010

NÃO SOMOS INÚTEIS - JEAN-PAUL SARTRE ESTAVA ENGANADO!


Para Jean-Paul Sartre (1905-1980), eu e você não passamos de paixão inútil. Isto porque, para o filósofo existencialista francês, a vida não possui sentido nenhum além do que possamos lhe atribuir.

Sendo assim, o dever do homem consiste em usar sua liberdade para dar o melhor sentido possível à vida. Isto é ao mesmo tempo seu privilégio e seu fardo, já que ele nunca poderá reverter a falta de sentido para a vida, nem tampouco se eximir da responsabilidade pelo exercício de sua liberdade.

É interessante que, apesar de tais conceitos, a filosofia de Sartre abomine o suicídio.

A razão pela qual o filósofo é tão radical em suas colocações é que, para ele, buscar um sentido na vida seria admitir a existência de um propósito superior pré-estabelecido ao  homem, por alguém superior a ele - e isto Sartre não podia admitir.

É interessante que toda forma de ateísmo que supostamente tenta “emancipar” o homem acaba por reduzi-lo.

Não somos "paixão inútil".

Segundo o cristianismo,somos seres portadores de dignidade, criados à imagem e semelhança de Deus, chamados para ser co-participantes de Seus propósitos para a humanidade e para o cosmo. Somos amados e valorizados no sentido mais profundo destes termos, o que Deus comprova através da cruz de Cristo.

Há uma antiga canção do Barão Vermelho que diz que "viver é fúria e folia rumo ao mágico".

Acontece que aqueles que não conseguem enxergar o "Mágico" não vêem um rumo para caminhar, e assim, sua "fúria e folia" de vida se torna inútil.

Ao que parece, Sartre foi um deles.

Lamento muitíssimo.
Mas sábado sepultei meu pai e jamais me pareceu tão revoltante a visão de Jean-Paul Sartre  sobre a vida quanto neste momento.

Pobre filósofo!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

'VER O TEU ROSTO É COMO VER O ROSTO DE DEUS"


1  Levantando Jacó os olhos, viu que Esaú se aproximava, e com ele quatrocentos homens. Então, passou os filhos a Lia, a Raquel e às duas servas.
2  Pôs as servas e seus filhos à frente, Lia e seus filhos atrás deles e Raquel e José por últimos.
3  E ele mesmo, adiantando-se, prostrou-se à terra sete vezes, até aproximar-se de seu irmão.
4  Então, Esaú correu-lhe ao encontro e o abraçou; arrojou-se-lhe ao pescoço e o beijou; e choraram.
5 ¶ Daí, levantando os olhos, viu as mulheres e os meninos e disse: Quem são estes contigo? Respondeu-lhe Jacó: Os filhos com que Deus agraciou a teu servo.
6  Então, se aproximaram as servas, elas e seus filhos, e se prostraram.
7  Chegaram também Lia e seus filhos e se prostraram; por último chegaram José e Raquel e se prostraram.
8  Perguntou Esaú: Qual é o teu propósito com todos esses bandos que encontrei? Respondeu Jacó: Para lograr mercê na presença de meu senhor.
9  Então, disse Esaú: Eu tenho muitos bens, meu irmão; guarda o que tens.
10  Mas Jacó insistiu: Não recuses; se logrei mercê diante de ti, peço-te que aceites o meu presente, porquanto vi o teu rosto como se tivesse contemplado o semblante de Deus; e te agradaste de mim. (Gênesis 32.1-10)


"Ver teu rosto é como ver o rosto de Deus", disse Jacó a Esaú.

Parece um rompante de idolatria.

Mas somente quem compreende a intensidade da ruptura compreende o valor da reconciliação.

Relacionamentos há cuja restauração é comparável ao milagre da redenção.

E neste caso, contemplar e ser contemplado favoravelmente por alguém outra vez, soa como viver uma experiência tão miraculosa quanto a da comunhão beatífica com Deus.

O melhor de uma reconciliação é que através dela se (re)descobre a preciosidade daquela pessoa.

(E não acontece o mesmo depois da conversão? Não nos pegamos estupefatos pensando em como a vida era sem sentido enquanto estávamos distanciados de Deus?).

O sentimento de Jacó não era idolatria, mas gratidão.

E Deus entende.

Afinal, foi Ele que nos criou como seres gregários.

E Ele mesmo que colocou em nós o impulso para a busca da felicidade, que tem como um de seus imperativos a necessidade de viver relacionamentos plenos e, quando isto não ocorre, ansiar  pela redenção dos mesmos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

JESUS E A FÉ, A NÃO-FÉ, A FÉ IMATURA E FÉ MADURA


 
Há uma interessante curiosidade teológica no Evangelho de João.

O apóstolo declara seu propósito ao redigir seu Evangelho nos versículos 30 e 31 do capítulo 21: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”

Existem duas variantes textuais do versículo 31 que quebram a cabeça dos teólogos: há manuscritos que trazem a redação “estes, porém, foram registrados para que creiais (gr: pisteusete) que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”; outros manuscritos trazem “estes, porém, foram registrados para que continueis crendo (gr: pisteuhte) que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”. No caso, a diferença é gerada pela presença/omissão da letra sigma, que altera o tempo do verbo.

Se a primeira leitura for a correta, o objetivo de João ao escrever o Evangelho era prioritariamente evangelístico.

Caso a segunda variante seja a certa, o objetivo de João era eminentemente pastoral, ou seja, de edificar a fé de seus leitores já convertidos ao Evangelho.

Aparentemente, um grande enigma!

Jesus, ao que tudo indica, não se incomodaria com esta questão. Um incidente do próprio Evangelho de João ilustra isso: a ressurreição de Lázaro.

Aqueles que leram o capítulo 11 de João estão a par do desenrolar dos acontecimentos: Jesus recebe o pedido de Marta e Maria em favor de seu irmão Lázaro, que se encontrava enfermo. Aquela família já possuía um antigo histórico de amizade com o Mestre, mas mesmo encontrando-se em uma região próxima a Betânia, Jesus não se dirige imediatamente à casa de seus amigos, e nesse meio tempo Lázaro falece. Quando finalmente Jesus chega a Betânia, seu amigo já se encontrava sepultado há quatro dias.

E então ocorre um milagre maior que uma cura: Jesus ressuscita Lázaro.

Atente bem nos versículos 14, 15 e 16, onde Jesus revela a seus discípulos o motivo de sua “demora”.

Lázaro morreu; e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais crer (pisteushte); mas vamos ter com ele.
Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com ele.

Note bem que Jesus falava com pessoas de fé; que já haviam crido nEle. Mas Jesus não se interessa de forma simplista pelo binômio crer/não crer. Importa para ele não só a existência da fé, mas o amadurecimento dessa fé.

E preste atenção que Jesus disse isso a homens que estavam dispostos a ir a Betânia para morrer com ele! Aparentemente, fizeram a suprema demonstração de fé – e Jesus viu quanto tinham ainda de amadurecer...

Quem crê precisa continuar crendo, e de forma cada vez melhor.

Ao compreender isto, perceberemos que as duas variantes textuais de João 20.31 apresentam conceitos complementares e indissociáveis sobre a fé, sendo capazes de, assim, ao romper com uma abordagem simplista à fé e ao discipulado cristão, chegar mais perto da mente de Cristo, e iniciar os passos necessários ao amadurecimento.