quinta-feira, 18 de outubro de 2012

PENSE NISTO: UMA PALAVRA DE JÜRGEN MOLTMANN SOBRE O CULTO AO CORPO

"As possibilidades de embelezamento do corpo se desenvolveram e disseminaram (...). Em algumas áreas, a mania de beleza e o culto ao corpo se converteram na religião que dá sentido ao ser humano moderno. A cirurgia plástica e a cirurgia cosmética prometem a obtenção do corpo que se deseja para estar bem consigo mesmo e ser reconhecido pelos outros. 'Quem quer ser bonito tem de sofrer', mas o que tudo não se faz por causa do reconhecimento! Partes essenciais da moderna mania de beleza são os programas de antienvelhecimento. Só quem permanece jovem é belo, e quem permanece belo é considerado jovem. Ele ou ela se tornam, a seu modo, 'imortais'. Um corpo treinado e belo não mostra as marcas da idade, deve -se imaginar. Porém, os corpos amoldados ao ideal não são estranhamente enrijecidos e sem vida, impessoais e sem caráter?

Os aumentos de desempenho e os tratamentos de beleza se devem realmente só à autodeterminação livre e legítima da própria vida? Não é verdade. São antes imposições da sociedade moderna que obrigam as pessoas a ser produtivas e bem-sucedidas, belas e atraentes. No palco esportivo da sociedade moderna, a imposição ainda se chama 'competição' nobre, na sociedade burguesa do dia a dia é concorrência dura e fria. No esporte de alto rendimento, o doping se tornou a imposição sistêmica: Quem não pode acompanhar o ritmo, está fora. É o que diz também a indústria farmacêutica que lucra com isso. Por causa do medo de não poder mais apresentar o desempenho que se esperava dele, Robert Enke, famoso goleiro alemão, se jogou na frente de um trem em 2009. Por causa do medo da síndrome de burn-out, os professores recorrem ao doping neurológico. Quem quiser acompanhar o ritmo e ficar entre os ganhadores, terá de trabalhar em si mesmo e se sacrificar, de um jeito ou de outro. O mesmo se aplica à beleza: O poder-ser-mais-belo há muito tempo deu lugar ao deve-ser-belo. Por isso, os belos muitas vezes passam uma impressão tão tensa e triste. Não se consegue mais distinguir entre seu amor ao corpo e seu ódio ao corpo. Os corpos do mundo moderno, corpos de alto rendimento e corpos lindamente modelados, são, muitas vezes, só variantes do corpo militar e sucessores do corpo ascético. (...) 

A autêntica experiência corporal cristã está inserida na experiência de fé do amor de Deus. Quem se sente aceito e amado, também está bem consigo mesmo e aceita seu corpo assim como ele é e vem a ser com o passar do tempo. A experiência do amor divino torna os crentes não só justos, mas também belos. 'Os pecadores são belos, porque são amados; não são amados porque são belos'., escreveu Lutero na controvérsia de Heidelberg em 1518. Também o amor humano deixa a pessoa amada bela, quando é gratuito e solícito. Ele provoca também nos rostos desfigurados o brilho da beleza porque desperta a alegria. O 'corpo do amor' é a vida humana plenificada da vida divina.

Com a encarnação de Deus realmente já está posta uma imagem contrária ao moderno 'homem-máquina' e aos produtos artificiais 'desempenho' e 'beleza'. Deus se fez humano para que nos convertamos de deuses orgulhosos e infelizes em verdadeiros seres humanos; em seres humanos que podem aceitar a sua juventude e a sua velhice e estão de acordo com a transitoriedade dos seus corpos; em seres humanos que sabem que a vida é mais que desempenho e que o amor é o que embeleza o ser humano".

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ATENÇÃO! NÃO USE MAL A HISTÓRIA DE JOSÉ DO EGITO

A história de José (Gênesis 30.22-24; 37-50) é uma das mais belas e profundas de toda a Bíblia: cresceu em um lar conturbado, perdeu sua mãe ainda jovem, foi separado do amor de seu pai ao ser traído e vendido como escravo pelos próprios irmãos, jogado na prisão injustamente por causa de uma calúnia e, contra todas as probabilidades, graças aos dons que Deus lhe dera, tornou-se a segunda pessoa no governo do Egito, administrando a potência mais importante de sua época e sendo uma ferramenta fundamental para promover o bem-estar social e a preservação da família que o rejeitara, que constituía-se no núcleo embrionário da nação de Israel, de onde o Messias descenderia.

Todos nós temos relação com a história de José e temos muito a aprender com ele.

A maioria dos evangélicos, contudo, lêem esta história e mantém seu foco em apenas um evento: a chegada de José ao poder no Egito, formulando o seguinte princípio:

"Se Deus colocou um escravo no trono do Egito, fará o mesmo comigo".

É o que chamo de princípio da exaltação.

Eu não duvido de que Deus, em sua soberania, realmente abençoe pessoas de forma surpreendente, levando-as a, contra toda probabilidade humana, assumirem postos de extrema relevância na sociedade (Jó 42.2; Salmo 113.7-8; Daniel 4.35).

Me incomoda, porém, o simplismo, automatismo e generalização implícitos no chamado "princípio da exaltação", que se revela falso justamente por ignorar outros importantes fatos da história de José:

1. José possuía habilidade para assumir o cargo que Deus colocara sob sua responsabilidade: já demonstrara ser um exímio administrador na casa de seu pai (Gn 37.2-3, 13-14), na casa de Potifar (Gn 39.2-6), e mesmo na prisão (Gn 39.20-23). Era uma pessoa amável (preocupava-se em ser útil onde quer que estivesse) e de elevado compromisso ético (Gn 39.8-9). Ou seja, Deus não "exaltou" José apenas para recompensá-lo particularmente (e é somente isto que o  princípio da exaltação consegue visualizar: a "posição de destaque", que deve ser um pretenso elemento automático na vida de quem crê)  mas a história de José nos mostra que Deus coloca a pessoa certa no lugar certo. Deus não se comprazeria  com o sofrimento causado por uma pessoa inepta em uma posição de liderança e que lá estaria por ter sido supostamente "exaltada" por Ele - não o faça cúmplice de uma coisa destas! Ele não deixa de reconhecer os dons que Ele distribui para que o serviço (outra palavra que o "princípio da exaltação" desconhece) prestado ao próximo seja eficaz, bem como não deixa de reconhecer o esforço de servos dedicados que buscam aprimorar e usar seus talentos em Sua presença, alimentando a preguiça daqueles que esperam soluções mágicas e reivindicam "exaltações" automáticas.

Deus distribui dons diversos e vocações diversas - não é porque uma vocação se cumpre de forma "humilde" (ou seja, longe dos holofotes), que isto signifique que ela deixe de ter relevância ou seja menos "exaltada". 

2. José executou um serviço de extrema relevância para a sociedade de seu tempo: para José, "chegar no topo" não foi um fim em si mesmo, mas um meio para prestar um serviço relevante a Deus e à sociedade (Gn 41.46-49, 53-57)*, ou seja, uma oportunidade de ministério. Temo que o princípio da exaltação seja fixado em "lugares de destaque" como um fim em si mesmo, subordinado apenas aos interesses e á vaidade do indivíduo.  

3. José estava a serviço de um propósito maior: Deus não tem filhos mimados. Ele não exalta para massagear egos. A chegada de José ao poder servia aos propósitos redentores de Deus (Gn 50.20). A serviço de quê estão alguns projetos megalomaníacos gerados pelo princípio da exaltação?

A história de José é um incentivo para que não deixemos de cultivar nossos dons e talentos, para que não paremos de estudar, trabalhar e servir. Deus tem uma vocação para cada um de nós, a qual mesmo contra todas as probabilidades humanas Ele deseja cumprir. Devemos nos empenhar em ser as pessoas certas para Deus enviar ao lugares certos.

Que não mais leiamos a história de José para alimentar nosso individualismo e cobiça.

O segredo não é o posto de José. Mas aprender a ser como José.

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*Faço uma ressalva, porém, no sentido de que a ação de José poderia ter sido um pouco mais criteriosa, pois (talvez de forma inconsciente) ele acabou fortalecendo o imperialismo de Faraó (Gn 47.13-26).

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CARTA ABERTA A UM LUTERO ANGUSTIADO


Tudo começou enquanto eu procurava uma figura para substituir o Spectreman (quem foi criança na década de 80, que entenda!) de minha área de trabalho.

Decidi procurar uma imagem relacionada à Reforma Protestante ou aos cinco Solas e me deparei com a charge acima.

Desconheço o autor da charge e o contexto de onde se originou. A leitura que eu faço da imagem me sugere um Lutero angustiado diante da fragmentação da Igreja em diferentes facções teológicas - e, ao meu ver, a angústia maior deste pensativo Lutero é que ele sente-se responsável pela confusão que está às suas costas.

Em parte até concordo que o Reformador de carne em osso teria compartilhariado, em certa medida, com os sentimentos que aparecem no desenho: Lutero pretendia reformar o catolicismo (já cindido desde o século XI), e não criar um novo segmento eclesiástico. Não creio, contudo, que ele teria chegado ao mesmo nível de desânimo representado na figura. 

Afinal, a grande questão que a charge levanta é: diante do quadro religioso que se desenvolveu nos últimos cinco séculos, valeu a pena a Reforma Protestante?

Respondo positivamente a esta pergunta - e gostaria de apresentar meu argumentos na forma de consolação, uma carta aberta a este Lutero angustiado.

"Caro irmão em Cristo:

Você se encontra angustiado, questionando o seu legado. Por favor, gostaria que você considerasse estas razões para você se reanimar e olhar de foema mais positiva o trabalho que fez em prol do Reino de Deus: 

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque os riscos da liberdade sempre são preferíveis à falsa segurança da repressão.

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque colocou a Bíblia nas mãos do povo - e mesmo que alguns façam mau uso dela, a culpa não é nem sua, e nem da Bíblia (além disso, se este argumento não te convencer, lembre-se que tem muita gente que ainda faz bom uso da Bíblia). 

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque ainda que muita gente tenha se equivocado é sempre melhor alguém pensar e errar do que errar porque alguém pensou em seu lugar.

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque alguns conceitos do cristianismo realmente possibilitam interpretações variadas  - e foi seu próprio discípulo, Melanchton, quem cunhou o lema máximo da Igreja para lidar com tais questões: 'Nas coisas necessárias, unidade; nas coisas incertas, liberdade; em todas as coisas, caridade'.

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque ainda que muitos, mesmo tendo a Bíblia em suas mãos, tenham se afastado da doutrina cristã ortodoxa (nem todas as falas que aparecem às suas costas se enquadram na regra de Melanchton e você sabe disso), assim o fizeram não por consequencia direta do espírito da Reforma, mas justamente por se afastarem do espírito da Reforma, que sempre enfatizava a centralidade de Cristo e das Escrituras. 

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque não foi a 'sua' reforma particular - o que ocorreu em 1517 foi a culminância de aspirações e sentimentos de várias gerações de cristãos que vieram antes de você e que também desejaram reaproximar a cristandade da Bíblia. 

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque além dos efeitos religiosos, ela foi também um movimento intelectual e econômico pujante, trazendo diversas contribuições à humanidade. 

Lutero, a Reforma Protestante valeu a pena apesar da cena às sua costas porque foi um movimento que conseguiu desburocratizar a fé, resgatando a simplicidade da mensagem cristã e reafirmando a dignidade de cada cristão com a Bíblia nas mãos, diante de Deus através de Cristo.

E meu caro Lutero, se nenhum destes argumentos te convencer, apresento um argumento tirado de meu tempo, do século XXI:

Nunca precisamos tanto de uma Reforma quanto hoje! A situação está feia, pior do que a cena que está às suas costas!

Espero que este último argumento, ao ressaltar a urgência do resgate de seu legado, demonstre de forma concomitante a importância mesmo, te convencendo de uma vez por todas a espantar o bode e se levantar dessa mesa.

Fraternalmente em Cristo, Vitor Gadelha".

terça-feira, 11 de setembro de 2012

COMO SUPERAR DIFICULDADES PARA ENTENDER A BÍBLIA?

1. Engana-se quem imagina que eu iria mencionar a oração em primeiro lugar. Você pode me questionar: "Mas a oração não é necessária para o entendimento das Escrituras? O homem natural não pode compreender  as coisas do Senhor, de acordo com 1.ª aos Coríntios 2.14"! Em primeiro lugar, o vocábulo traduzido por "compreende" na versão Revista e Corrigida seria melhor traduzido por "aceitar" ou "receber". O entendimento de que Paulo fala aqui não é o entendimento do sentido do texto* (um ateu pode alcançar este sentido!), mas o entendimento redentor do texto (ou seja, o entendimento de que devo crer e obedecer à mensagem do texto). Logo, oramos ao ler a Bíblia para que Deus torne nossos corações receptivos à Verdade, e que através da leitura de Sua Palavra possamos crescer em nosso relacionamento com Ele e aprimorar nossos caminhos;

2. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque lemos a Palavra de Deus tentando encaixar nela nossas próprias ideias pré-concebidas! Tentamos enxergar nela apenas confirmações para nossos conceitos, preconceitos, experiências e tradições e este tipo de postura nos mantém fechados quanto ao entendimento do texto;

3. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque acredita-se que interpretar corretamente as Escrituras significa descobrir em suas páginas significados "místicos, metafóricos e mirabolantes", desprezando o sentido óbvio do texto. Esta postura, infelizmente, é consequência da falta de valorização da pregação que expõe e explica a Bíblia, em preferência de pirotecnias por parte do pregador;

4. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque acreditamos que tudo o que está escrito em suas páginas deva ter relação direta com algum problema pessoal. Tal postura dificulta o ato de estudar a Bíblia para compreender sua doutrina, sua leitura acaba sendo subordinada ao imediatismo. A consequência direta deste modo de pensar são as infames "caixinhas de promessa";

5. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque não compreendemos a relação entre as partes (cada livro) com o todo (a Bíblia inteira). Esta é uma dificuldade marcante principalmente em relação ao Antigo Testamento, que cobre um período histórico maior. Os livros na Bíblia aparecem em ordem temática, e não em ordem cronológica e precisamos perceber a relação que há, por exemplo, entre Reis e Crônicas e Isaías e Jeremias; entre Esdras e Zacarias; entre Atos e as cartas de Paulo. Uma boa sugestão para conseguir visualizar e assimilar este panorama da história bíblica é ler uma Bíblia para crianças - não tenha vergonha: obras deste tipo apresentam os fatos em ordem cronológica, de forma bastante clara;

6. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque isolamos seus textos e eles perdem seu sentido original. Cada texto da Bíblia deve ser compreendido em relação a seu contexto imediato (os versículos anteriores e posteriores) e mais amplo (dentro da estrutura do livro e da Bíblia como um todo). Neste sentido, a divisão em capítulos e versículos (inexistente no original) atrapalha um pouco, pois dá uma falsa impressão de que o texto é fragmentado;

7. Temos dificuldades em entender a Bíblia porque o português da versão que estamos lendo geralmente é muito arcaico. O uso do dicionário e de uma versão bíblica com português contemporâneo (apenas evite versões parafraseadas da Bíblia) são de grande valia.

Estes são apenas alguns exemplos de problemas que dificultam a leitura da Bíblia. Felizmente, a maioria deles são apenas conceitos que precisam ser desmistificados (1, 2, 4, 7). Outros são superados ao longo do tempo; a dedicação ao estudo da Bíblia trará maior habilidade em seu manuseio.

Lembre-se: a Bíblia é a Palavra de Deus para você. Não é um livro de clérigos, mas um livro para todos. Sua mensagem é a Boa Nova de Deus aos homens, suas palavras são luz, vida e sustento. Leia a Bíblia - você precisa fazer isto. Não terceirize seu relacionamento com Deus.

Que possamos ter sempre a melhor postura diante do Livro Sagrado e uma vida frutífera através do aprendizado de suas palavras.

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* Reconheço, porém, muitas vezes o sentido das Escrituras é deturpado devido ao preconceito de algumas pessoas.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

PERIGO: QUANDO O PREGADOR SE TORNA INGÊNUO

Poucas coisas são tão perigosas para a Igreja do que um pregador ingênuo.

Quando o pregador é ingênuo, ele prega como se o ideal já fosse realidade, deixando de fornecer subsídios tanto para a crítica da realidade quanto para a implementação do ideal.

Quando o pregador é ingênuo, ele não atenta para o viés ideológico que sua mensagem pode estar assumindo, e nem questiona a quais interesses pode estar servindo: aos de Deus ou ao dos homens.

Quando o pregador é ingênuo, ele não cria pontes, mas paredes entre as questões de seu tempo, acreditando que assim protege seus ouvintes.

Quando o pregador é ingênuo, ele elege certos temas como tabu e evita abordá-los em seus sermões, crendo com isso que estará prestando um serviço a seus ouvintes - deixando de enxergar, assim a abrangência bíblica sobre o todo da realidade e da experiência.

Quando o pregador é ingênuo, ele acredita que sempre tem de ratificar outros pregadores.

Quando o pregador é ingênuo, ele considera que a diferença entre a pregação e ensino é de conteúdo, e não de método, de forma que sua proclamação não ensina - e quando ele ensina, não proclama.

Quando o pregador é ingênuo, ele acredita que pode abrir mão de “ismos” e “logias”, simploriamente crendo que pode descartar mais de 20 séculos de reflexão teológica cristã – e ignorando o quando estas categorias já estão incorporadas a nossa compreensão do cristianismo.

Quando o pregador é ingênuo, ele não possui argumentos, mas generalizações, clichês e frases prontas – e acredita que está fazendo um bom trabalho.

Quando o pregador é ingênuo, ele acredita que orar soluciona todas as coisas.

Quando o pregador é ingênuo, ele se responsabiliza por questões que não são de sua alçada, e perde o foco de suas reais responsabilidades.

Quando o pregador é ingênuo, ele não entende que ele tem de desenvolver o senso crítico de seus ouvintes.

Quando o pregador é ingênuo, ele não sabe avaliar resultados – e talvez nem saiba quais são os resultados que deva buscar.

Por que pregadores ingênuos são tão perigosos?

Porque a ingenuidade no ministério do pregador implica no risco de que ele esteja vindo a ser uma marionete que forma marionetes.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

SOBRE AS CARICATURAS TEOLÓGICAS

Dentro do cristianismo evangélico, existe um grande consenso acerca das doutrinas centrais (ou basilares) da fé.

Outras doutrinas periféricas (ou secundárias) não apresentam o mesmo nível de acordo - uma das razões pelas quais existem tantas denominações evangélicas: suas interpretações diferenciadas das doutrinas secundárias do cristianismo.

 Desta forma a igreja está dividida entre calvinistas e arminianos, pentecostais e não-pentecostais; cessacionistas e não-cessacionistas; congregacionais e episcopais; tricotomistas, dicotomistas e monistas; amilenistas, pré-milenistas e pós-milenistas; pré-tribulacionistas, pós-tribulacionistas e mid-tribulacionistas, etc.

Por que surgem tais diferenças? Bem, porque cada uma destas controvérsias teológicas dentro do cristianismo têm evidências bíblicas para sustentá-las, sendo necessário que  cada intérprete (e cada um de nós) pese bem as evidências em favor de cada hipótese e, dentro de um exercício de interpretação sadio da Escrituras, decida pela posição A ou B (não é possível sustentar o argumento relativista de que todas as posições estão certas - ainda que se tratem de assuntos periféricos, alguém chegou a uma interpretação mais adequada de determinado tema à luz das Escrituras, de forma que sua interpretação deva ser preferida diante de outras).

O diálogo entre os proponentes de cada posição não costuma ser muito proveitoso, especialmente no que tange a proporcionar uma visão clara do pensamento teológico do outro grupo: geralmente, a pessoa conhece uma visão distorcida da teologia de seu irmão, uma caricatura teológica. 

Todo posicionamento teológico possui sua razão de ser, sua lógica interna - da mesma forma cada um destes posicionamentos teológicos pode ser tão mal-compreendido (inclusive por aqueles que os defendem) que venha a possuir também sua própria caricatura, tanto no que diz respeito à sua lógica interna, quanto à sua aplicação prática.

E geralmente, dentro da igreja, não se conhece a teologia do outro, mas apenas sua caricatura. 

O exercício de análise teológica acaba sendo o de refutar caricaturas - que não existem.

Calvinistas não são fatalistas e nem libertinos em decorrência de sua crença na perseverança dos santos - quem assim pensa demonstra que não conhece a teologia calvinista.

Arminianos não negam a soberania de Deus, mas a explicam de outra forma - quem acha que os arminianos assim pensam demonstra desconhecimento da teologia remonstrante.

Pentecostais não são místicos irracionais - quem assim pensa demonstra desconhecer os pressupostos teológicos da paracletologia pentecostal, tirando suas conclusões a partir da observação de grupos isolados. 

Cristãos cessacionistas não são "frios" - tal comentário demonstra desconhecimento do alto apreço que este grupo possui pela suficiência das Escrituras.

Pedobatistas não são romanistas - pensa assim quem desconhece o pressuposto teológico destes irmãos, de que toda a Igreja (inclusive as crianças) são o povo da aliança do Senhor.

E por aí vai, existindo muitos outros exemplos de caricaturas teológicas.

Como eu já disse, não estou defendendo a ideia de que todas as posições teológicas estão certas (isto seria ilógico até, visto que, em muitos casos, A exclui B).

Mas creio que faz parte do aprimoramento teológico e humano do cristão conhecer bem a teologia - tanto a que ele defende quanto a que ele refuta, a fim de que sua fé e seu exercício de pensar a fé não esteja fundamentado em preconceitos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

MEU ELOGIO A NED FLANDERS

Sei que não á possível falar de apenas "um" Ned Flanders.

Afinal, cada diferente episódio (e cada diferente roteirista) apresenta um novo olhar, uma nova forma de te definir, apesar de manterem, de forma consciente ou não, o mistério que há em você.

Não conseguiram negar o poder de sua fé genuína e os benefícios que ela traz aos que convivem com você.

Sim , pois no seriado que consagrou o deboche niilista como meio de crítica e denúncia, você permanece como um referencial de decência e sanidade.

Apesar de tudo.

Apesar de muitas vezes tentarem transformar você em um símbolo da obsolescência do Cristianismo, não conseguiram impedir que você fosse admirado.

Apesar de tentarem fazer de você o bode expiatório dos erros dos religiosos modernos e do passado, não conseguiram diluir a validade de sua crença e de seu exemplo.

Sua ingenuidade apenas dá testemunho da singeleza de sua fé.

Quando você se mostra limitado na compreensão dos aspectos mais amplos de sua crença,  você se irmana com todos aqueles que precisam crescer na graça e conhecimento de Jesus Cristo.

Seus erros dão testemunho de sua fragilidade - a qual você confessou e encarou de forma franca, diversas vezes.

Você é temente a Deus - e, justamente por isso, você se torna amigo de Deus e amigo do próximo.

E aí está toda a diferença.

Seu simples e ao mesmo tempo vasto legado consiste em estender constantemente a destra da amizade a um vizinho insuportável, mostrar-se mais devoto do que o clérigo de sua comunidade, ser um pai dedicado e um cidadão honesto e cortês.

Então, por demonstrar de forma tão clara prática o amor de Cristo, eu te dou meus parabéns, Ned Flanders!

Parabéns por seu bom testemunho durante estes 20 anos de "Os Simpsons"!

Parabéns por impedir que o seriado de maior longevidade na história da televisão ficasse totalmente secularizado!

Parabéns por fazer a diferença em Springfield!

E parabéns por mostrar que a fé, o amor e a esperança são ferramentas mais poderosas e eficazes que o deboche e o niilismo.