"Eis que és formosa, amiga minha, eis que és formosa; os teus olhos são como os das pombas entre as tuas tranças, o teu cabelo é como o rebanho de cabras que pastam no monte de Gileade. Os teus dentes são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais todas produzem gêmeos, e nenhuma há estéril entre elas. Os teus lábios são como um fio de escarlata, e o teu falar é doce; a tua fronte é qual pedaço de romã entre {ou atrás do teu véu} as tuas tranças. O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para pendurar armas; mil escudos pendem dela, todos broquéis de valorosos. Os teus dois peitos são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios" (Cântico dos Cânticos 4.1-5).
O prazer sempre foi um tema problemático para a cristandade, devido a um histórico milenar de zelo sem entendimento.
Um dos exemplos mais clássicos disto é a alegorização (metaforização “espiritualizada”) que os teólogos (judeus e cristãos) aplicavam ao Cântico dos Cânticos, devido à sua dificuldade de aceitar a presença de um texto bíblico que exaltava o amor sexual – logo, o livro não deveria ser entendido literalmente, mas como uma metáfora do amor entre Deus e Israel ou e/ntre Cristo e a Igreja.
Os teólogos foram engenhosos para elaborar argumentos que justificassem a rejeição do sentido óbvio do texto. A Bíblia de Estudo Defesa da Fé apresenta alguns exemplos destas “pérolas” que foram utilizadas no passado para interpretação de Ct 4.5:
“O Targum (a tradição e a explicação em aramaico do Antigo Testamento)correlacionou dois peitos com dois Messias, ou com Moisés e Arão. Historicamente, os intérpretes cristãos ofereceram uma variedade de explicações. Alguns afirmaram que os dois seios se referiam aos dois Testamentos, alimentando espiritualmente a Igreja. Outra perspectiva correlacionou os seios com os mandamentos de amar a Deus e de amar uns aos outros. Uma terceira interpretação acreditava que os seios representavam o monte Ebal e o monte Gerizim (Dt 27.11-13), ao norte de Jerusalém, de onde as tribos israelitas proclamavam as maldições ou sanções do concerto”.
Ridículo.
O que me chamou mais a atenção, porém, é que mesmo o comentarista contemporâneo (Sheri L. Klouda) temeu o conteúdo sexual do texto sagrado e ofereceu uma interpretação tangenciada:
“É improvável que a menção aos seios tivesse o propósito especial de sugerir o apelo sexual da esposa ao homem, ainda que em uma interpretação literal: eles foram listados aqui justamente com outras características da esposa que impressionam igualmente o poeta (4.1-7). Somente nos tempos modernos os seios das mulheres têm uma conotação ‘sugestiva’ na cultura ocidental. Nos tempos antigos e medievais, eles eram símbolos de sua função: fornecer alimento”.
Ah, tá.
Quero ver como sustentar uma interpretação destas diante de textos como Ct 7.1-8 (e o versículo 6 deixa claro que Salomão enfatiza o aspecto estético/sensual) ou Pv 5.18-20 (comprove por você mesmo, leitor!).
A Biblia não tem os grilos dos teólogos!
A doutrina cristã compreende o amor sexual como uma dádiva generosa de Deus para o bem da espécie humana, a ser usufruído exclusivamente no matrimônio, de forma monogâmica: ou seja, dentro de uma aliança de amor e fidelidade, assumida diante de Deus e dos homens – que é a salvaguarda para evitar a “coisificação” do ser e da sexualidade. Por isso, a doutrina cristã repudia severamente a libertinagem (que, temo, seja o sentido da comemoração popular de 06 de setembro).
Todavia, é igualmente cristão e necessário afirmar, que a doutrina cristã repudia o recalque, mesmo que ele seja utilizado equivocada e amplamente por muitos cristãos como ferramenta para a promoção da santidade: sempre será uma ferramenta ineficaz.
Afinal, o recalque é incapaz tanto de promover a glória ao Criador de todas as coisas (inclusive do sexo) quanto a felicidade e consagração de Seus filhos.
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