sábado, 25 de dezembro de 2010

RENATO RUSSO TINHA RAZÃO - Uma reflexão de Natal

Com esta afirmação, não me refiro a todas as canções que ele escreveu, seja com a Legião Urbana ou em sua carreira solo.

Obviamente, não me refiro também ao estilo de vida que ele levou.

Sequer penso em uma canção completa.

Refiro-me apenas a uma frase, um dos versos de “Há Tempos”.

“Nem os santos têm ao certo a medida da maldade”.

Sempre achei que esta frase era perfeitamente aplicável ao contexto da Igreja.

A princípio, ao acompanhar  o processo de revisão de usos e costumes dentro da denominação a que pertenço (um processo necessário, para o bem da integridade teológica e intelectual da denominação - e qualquer um que já tenha presenciado a esterilidade de uma discussão sobre usos e costumes travada entre evangélicos sabe que não estou exagerando!), relacionei-a ao argumento dos tradicionalistas: parecia que os santos estavam perdendo os paradigmas da maldade, ao abrir mão das regras pré-estabelecidas acerca de santidade.

Todavia, diante da complexidade do problema do pecado enquanto realidade humana, corrompendo tudo aquilo que o homem faz e é, descobri que a frase tinha um poder e uma profundidade ainda maior - posto que verdadeira.

Qualquer um que tenha se quedado atônito diante da própria pecaminosidade sabe do que estou falando.

A pecaminosidade humana é um problema tão profundo (ou melhor, nos torna um problema tão profundo) que não pode ser tratado de maneira banal, como uma simples mensuração - e é esta a estratégia dos fariseus: acreditar que a problemática humana pode ser resolvida através de regras e ritos.

E a história da Igreja atesta que os homens mais piedosos e consagrados a Deus eram sempre os mais sensíveis e cônscios de sua própria pecaminosidade, uma percepção que aumentava na mesma medida em que cresciam na fé.

Neste sentido, os santos nunca conseguirão ter ao certo a medida da maldade - pois sabem estar diante de um inimigo terrível!

Só podem orar como Davi:

“Quem pode entender os próprios erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos” (Salmo 19.12).

É somente com a percepção da própria decadência que podemos compreender e apreciar a obra salvadora de Cristo, da manjedoura até a cruz, de maneira apropriada.

Sim, pois em caso contrário, “Salvação” torna-se um termo vazio!

É esta a percepção do Natal feita pelos autojustificados...

Isto é o Natal: para grandes pecadores, fez-se NECESSÁRIO o nascimento de um grande Salvador!

E assim, com gratidão pela provisão que o Natal significa, propiciada pela posse de seu significado, podemos celebrá-lo de forma realmente feliz.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

DENÚNCIA (III)



Incluso na série "Denúncia" - até eu encontrar uma boa razão bíblica que fundamente a distribuição (gratuita, espero) do "tijolo da edificação".

***

PS: haverá também uma reunião para a entrega do cimento da edificação? É o mínimo a se esperar, diante de tal postura teológica.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

SÉRIE SABERES ESSENCIAIS À VIDA (II): FAZER A RODA DA HISTÓRIA GIRAR A SEU FAVOR

Falar em História é falar acerca de uma forma de interpretar a realidade. Dependendo dos aspectos enfatizados pelo historiador (por exemplo, a macro-história dos fatos oficiais ou a micro-história do cotidiano; os feitos de indivíduos ou de comunidades), temos diferentes maneiras de conceber a História.

Isto ocorre principalmente com o referencial interpretativo da História: Marx acreditava que a História podia ser explicada em termos econômicos. A concepção do iluminismo do século XVIII era totalmente racionalista, descartando a possibilidade de intervenções sobrenaturais no cenário humano.

A concepção bíblica de que Deus conduz a História para um clímax que cumprirá o Seu bom propósito para a humanidade (visão teleológica da História, do grego telos - meta, objetivo) serviu como inspiração e pretexto para a concepção desenvolvimentista da História, hoje em xeque, devido à constatação dos crimes do colonialismo, seu produto direto, e à ausência de um paradigma claro acerca do que significa "progresso".

Mas a concepção que desejo destacar neste post é uma antiga maneira de olhar a vida e a História, que influenciou fortemente os povos andinos de outrora: a concepção cíclica da História.

Dentro desta concepção, a História é movida por um ciclo inevitável de nascimento, apogeu e declínio - e este movimento explica o surgimento e o desaparecimento de impérios, nações e culturas.

Embora esta concepção cíclica não seja geralmente adotada como modelo interpretativo da História macro nos dias contemporâneos, ela é larga e popularmente utilizada para interpretar os acontecimentos do dia-a-dia, a História micro. Mesmo o Pastor Ricardo Gondim, famoso por sua oposição a toda espécie de determinismo, por exemplo, utilizou categorias extraídas desta concepção em uma entrevista à revista Eclésia para abordar a decadência do movimento evangélico.

A vida, em todos seus aspectos, estaria sujeita a um ciclo inevitável de surgimento, apogeu e declínio.

Aliás, não foi assim que definiram para nós o que é um ser vivo, nas séries primárias? Alguém que nasce, cresce, reproduz-se e morre?

Entender a História como um ciclo é conceber uma engrenagem que atrela a existência humana (relacionamentos, projetos, empreendimentos e o próprio ser em si) a si.

É a quintessência do fatalismo.

Conformismo e passividade são os filhos do fatalismo.

Mas as coisas não precisam ser assim.

A concepção bíblica da História mostra que Deus não permitirá que ela se mova em torno de si mesma, mas que Ele a conduzirá em triunfo. Isto é um incentivo e um convite ao agir responsável do ser humano, elevado ao status de colaborador de Deus em Seu agir na História.

Por que é tão importante aprender a fazer a roda da História girar a nosso favor?

Porque é a chave para que nos liberta da prisão da passividade, fazendo-nos ir à luta contra os aspectos da realidade  que se opõem à glória de Deus e ao bem-estar do homem, nos tornando agentes responsáveis e criativos de nossa própria História - tanto macro quanto micro.   

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"POR ESTAS COISAS VEM A IRA DE DEUS..." Pô, mas logo por ESTAS coisas!?

“Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria. É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência as quais vocês praticaram no passado, quando costumavam viver nelas” (Colossenses 3.5-7, NVI).

A epístola à igreja em Colossos é um texto apologético, visando prevenir aquela comunidade quanto ao risco de abrir mão de sua suficiência em Cristo seduzida pelo apelo do racionalismo, de um misticismo falso e/ou do legalismo.

O capítulo 3 expõe qual é o aspecto prático desta suficiência em Cristo enquanto expressão de vida de fé – e introduz este assunto com uma recordação acerca do estilo de vida pregresso daquela comunidade, a fim de contrastá-lo com o caminhar em Cristo.

Imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância – assim viviam aquelas pessoas e Paulo foi enfático em afirmar que isto desperta a ira de Deus.

Fico pensando em como nossa sociedade reagiria a esta afirmação, que condena especificamente os comportamentos mais valorizados em nossa cultura; em suma, tudo o que o brasileiro acha mais divertido – e o Carnaval, os bailes funk e a pornogratização da mídia não me deixam mentir!

Alguém até poderia questionar: “Mas por que a ira de Deus vem justamente sobre ESTAS coisas? Que implicância é esta”?

Deus pode ser facilmente tachado como estraga-prazeres após a leitura de Colossenses 3.5-7.

Abaixo, apresento uma breve análise etimológica de cada termo destacado no texto:

• Imoralidade sexual (gr. porneia): a não-submissão da sexualidade ao Deus que a criou.

• Impureza (gr. akatharsian): a adoção da malícia como estilo de vida, o que impossibilita o respeito e a decência.

• Paixão (gr. pathos): quando a ânsia de viver intensamente desintegra o ser.

• Desejos maus (gr. epithumias kaken): a deificação do desejo, onde nada lhe deve ser negado, equivalente à deificação narcisista e maligna do eu.

• Ganância (gr. pleoneksian): quando o acúmulo de bens é visto como o fim máximo da existência.

Mas creio que a melhor forma de compreender o quão justa é a ira de Deus contra o estilo de vida sacralizado pela sociedade contemporânea é observar os efeitos por ele causados, procurando suas vítimas.

Entendo que a ira de Deus contra a imoralidade sexual é justa quando vejo os filhos das baladas crescerem como consequências indesejadas de um momento de prazer.

Entendo que a ira de Deus contra a impureza é justa quando vejo uma pessoa ser reduzida á condição de objeto sexual, procedimento assim sustentado pela mídia e pelo mercado.

Entendo que a ira de Deus contra a paixão é justa quando vejo famílias e relacionamentos arrasados, pela falta de consideração de alguém que argumentou querer “viver de verdade”.

Entendo que a ira de Deus contra a glorificação do desejo é justa quando vejo o poder destrutivo do desejo desvinculado da ética e do compromisso com o próximo.

Entendo que a ira de Deus contra a ganância é justa quando vejo a corrupção minar verbas que deveriam ser destinadas ao benefício público ou quando vejo o estilo de vida subumano dos workaholics contemporãneos.

Nossos valores estão na contramão do projeto de Deus para a espécie humana – estão na contramão da humanização.

E assim entendemos que a ira de Deus é Sua denúncia da nossa falta de discernimento, que nos leva a hesitar em depor nossos falsos ídolos e descartar suas falsas promessas de realização.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

UM CÂNTICO MAL-EDUCADO

Meu inglês não é fluente – mas ainda assim creio que não seria honesto de minha parte escrever um artigo sobre o famosíssimo hino Sossegai desconsiderando a composição original. Sendo assim, com o intuito de descobrir nuances na poesia de Mary Ann Baker que poderiam ter se perdido na adaptação para o português, atrevi-me a traduzi-lo, mesmo reconhecendo que cometeria inevitáveis tosquices lingüísticas. Mas, por favor, tenha paciência e siga comigo nesta reflexão.

CALM
CALMA

Master, the tempest is raging! The billows are tossing high!
Mestre, a tempestade está furiosa! As ondas estão se agitando às alturas!

The sky is o’er shadowed with blackness, No shelter or help is nigh;
O céu está sombreado com trevas, não há abrigo ou ajuda por perto

Carest Thou not that we perish? How canst Thou lie asleep,
Tu não te preocupas que estamos em perigo? Como podes tu ficar adormecido

When each moment so madly is threatening, A grave in the angry deep?
Quando a cada momento tão loucamente é prenunciado um túmulo nas profundezas furiosas?
 
Chorus
Coro
 
The winds and the waves shall obey My will,
Os ventos e as ondas deverão obedecer Minha vontade

Peace (Peace, be still!), be still (Peace be still!)!
Paz, fique calmo!

Whether the wrath of the storm tossed sea,
Seja a ira da do mar agitado pela tempestade

Or demons, or men, or whatever it be,
Ou demônios, ou homens, ou o que quer que seja,

No water can swallow the ship where lies,
Nenhuma água pode tragar o barco onde jaz

The Master of ocean and earth and skies;
O mestre do oceano, da terra e dos céus,

They all shall sweetly obey My will;
Todos eles deverão docemente obedecer minha vontade

Peace be still! Peace be still!
Paz, fique calmo! Paz, fique calmo!

They all shall sweetly obey My will,
Todos eles deverão docemente obedecer minha vontade

Peace, peace, be still!
Paz, fique calmo! Paz, fique calmo!

2. Master, with anguish of spirit I bow in my grief today;
2. Mestre, com angústia de espírito arqueei-me em meu pesar hoje

The depths of my sad heart are troubled; O waken and save, I pray!
As profundezas de meu triste coração estão perturbadas; oh, acorda e salva, eu oro!

Torrents of sin and of anguish Sweep o’er my sinking soul!
Torrentes de pecado e angústia varrem minha alma desmoronada

And I perish! I perish, dear Master; O hasten, and take control!
E eu pereço! Eu pereço, querido Mestre; oh, se apresse e tome o controle!

3. Master, the terror is over, The elements sweetly rest;
3. Mestre, o terror acabou, os elementos descansam docemente

Earth’s sun in the calm lake is mirrored, And Heaven’s with my breast.
O sol da Terra está espelhado no calmo lago e o do céu no meu peito

Linger, O blessed Redeemer, Leave me alone no more;
Demore, Ó abençoado Redentor, não me deixe mais só

And with joy I shall make the blest harbor, And rest on the blissful shore
E com alegria eu farei o bendito porto e descansarei na bem-aventurada costa

 
Mary Ann-Baker (1831-1881) passou pela dor de perder seus pais em tenra idade e seu piedoso irmão, um referencial para ela na fé, ainda na adolescência.

"Sossegai" é o registro da experiência de superação de sua dor.

"Embora nosso choro não fosse 'como outros que não têm esperança' e embora tivesse crido em Cristo desde menina e desejasse sempre viver uma vida consagrada e obediente, tornei-me terrivelmente rebelde a esse desígnio da divina providência. Disse no meu coração que Deus não me amava, nem aos meus. Mas a própria voz do meu Mestre veio acalmar a tempestade no meu coração rebelde e me trouxe a calma de uma fé mais profunda e uma confiança mais perfeita."
 
Tendo escrito a letra para uma aula da Escola Bíblica Dominical sobre a passagem bíblica em que Cristo apazigua a Tempestade (“Esta lição expressou tão vividamente a minha experiência, que este hino foi o resultado”), a autora surpreendeu-se com o sucesso que o hino alcançou, obtendo várias traduções e sendo amado por imensa parte da cristandade.

"Me surpreende muito que este humilde hino tenha atravessado os mares e tenha sido cantado em terras bem distantes para a honra do nome do meu Salvador", afirmou Mary Ann.
 
Como explicar tamanho sucesso, principalmente à luz de versos como “Não se te dá que morramos” (pior no inglês origial, “Carest Thou not that we perish?”, ou seja, “Tu não te preocupas que estamos em perigo?”)?

A razão que explica o sucesso de Sossegai é a mesma razão que explica o sucesso dos Salmos.
 
São textos que relatam a experiência profunda de expor sem reservas ao Senhor o conteúdo do coração – não importa qual seja ele.
 
Expõe-se ao Senhor o conteúdo do coração porque só Ele é capaz de consertá-lo.

Enquanto o cerimonialismo religioso busca se especializar em desenvolver as técnicas rituais adequadas para aproximar o homem convenientemente (e artificialmente) de Deus, Sossegai segue na direção oposta.
 
Isto faz com que os Salmos e cânticos como Sossegai sejam imbatíveis enquanto literatura devocional: eles expressam o profundo anseio humano por Alguém que os ouça e, em triunfo, descobrem que Deus os aceita.
 
A falta de etiqueta de um coração contrito é resultado da não-domesticação do mesmo pelo cerimonialismo religioso.

E enquanto o evangelicalismo contemporâneo tenta negar a realidade da experiência do sofrimento humano e apresentando o retrato de um falso Deus que se interessa pelo dinheiro e cabriolas dos fiéis, a subversão devocional revelada nos Salmos e em Sossegai será necessária, para a salutar adoração e para resguardar a dignidade de Deus, apresentando-O como o pai amoroso que é.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

PRECISAMOS DE UM CAPITÃO NASCIMENTO GOSPEL?


Quem assistiu "Tropa de Elite 2" percebeu que a grande crítica que o filme faz é acerca do uso criminoso da máquina política, onde a agenda da segurança pública é determinada por interesses eleitoreiros, e não segundo os anseios da sociedade.

No vale-tudo pelo voto o crime acaba tendo utilidade.

Desta vez, a determinação do Capitão Nascimento se fez necessária não mais em um conflito armado com criminosos, mas ao exercer a coragem necessária para denunciar os crimes dos pretensos representantes do povo, cuja relação com o mesmo, em sua sanha corrupta por poder, pode ser definida como parasitismo.

O povo não é nada - apenas uma massa que, manobrada adequadamente, produz o resultado esperado: votos.

Depois de presenciar a postura vergonhosa da maioria das lideranças evangélicas nas eleições deste ano, não pude deixar de me perguntar se a igreja evangélica não estaria necessitando de também um Capitão Nascimento, capaz de confrontar a míope postura política da cristandade, bem como a ânsia de poder daqueles que priorizam mais os títulos eleitorais de suas ovelhas do que suas almas.   

Parei, todavia, estarrecido, ao perceber que isto não é necessário!

O Espírito Santo já cumpre este papel entre nós!

É Ele quem confronta o homem com o seu pecado, chamando-o ao arrependimento.

E certamente Sua denúncia contra o vale-tudo eleitoral tem sido feita, atingindo corações e mentes!

A ausência de mudança simplesmente reflete o endurecimento de tais pessoas.

Resistem Àquele que é  maior que o Capitão Nascimento!

Por Deus, como anda a consciência destes homens?

Sim, pois é perfeitamente possível viver uma fantasia cristã, através da inserção de interesses particulares ímpios numa pretensa definição de "Evangelho".

Não será possível, contudo, fugir do julgamento do Dono do Evangelho: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mateus 7.21-23).
 
Será a maneira que o Mestre usará no último dia para dizer "pede pra sair".

Oremos para que Deus conceda arrependimento a estas pessoas.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

SOBRE COMUNISMO E COMUNHÃO

Atribui-se ao filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) a idealização do comunismo.

Na verdade, Marx desenvolveu o socialismo, afirmando que o comunismo seria o desdobramento  consumação de sua teoria político-econômica: fiel ao princípio da dialética de Hegel (1770-1831), que concebia a História como um fluxo contínuo de transformação gerado pelo conflito de forças opostas entre si, acreditava que o comunismo seria a consumação de seu projeto socialista para a sociedade*.

O socialismo é, prioritariamente, uma teoria econômica, fundamentada na história das relações econômicas do homem, ou seja, sobre as diferentes maneiras em que a sociedade se organizou para produzir riquezas - os chamados modos de produção.

Marx, juntamente com seu amigo e patrocinador Friedrich Engels (1820-1895) observou uma característica comum a todos os modos de produção registrados pela História (escravismo, feudalismo e capitalismo): os meios de produção (instrumentos necessários para produzir riquezas, como ferramentas, terras e até mesmo o conhecimento) sempre estiveram nas mãos de uma elite, que mantinham seu poder sobre as classes que o sustentavam através de meios próprios de repressão, como a ideologia, que justificava teoricamente a situação vigente (não poucas vezes aliada à religião) e os aparelhos repressores estatais (como o poderio militar e, posteriormente, a escola).

(Por exemplo, a atual sociedade capitalista se estrutura em torno da acumulação individual de capital, meio necessário para a produção de maiores riquezas (através de investimentos, prestação de serviços, etc.), com a chancela de um Estado não-interventor, que resguarda a autonomia econômica de seus cidadãos (razão pela qual este modelo econômico também é chamado de liberalismo – e o neo-liberalismo defende um papel ainda menor do Estado nesta questão). O capitalismo enaltece o individualismo e a meritocracia.)

Mesmo transformações históricas drásticas, como o fim do império romano e o início da Idade Média, mudaram apenas a aparência das coisas, mas a essência de dominação permaneceu a mesma. Por isso Marx afirmou que o eixo de interpretação da História é a luta de classes, motivada por questões econômicas - razão pela qual sua teoria também foi chamada de materialismo dialético, opondo-se à adoção de princípios metafísicos para interpretar a História.

Marx conclui que a posse privada dos meios de produção é o fator primordial para promoção da desigualdade econômica e injustiça social, por concentrar riquezas nas mãos de poucos, excluindo as camadas populares que as produzem. A única maneira de sanar este mal é através da posse coletiva dos meios de produção – papel que cabe ao estado socialista idealizado por Marx, que traz a abolição da propriedade privada com o intuito de garantir a participação de todos na produção e usufruto das riquezas. Como a história demonstra a tendência à perpetuação do conflito de classes com a subjugação da massa que sustenta o sistema, Marx afirma que só haverá a mudança necessária para reverter a distribuição de poder e riqueza na sociedade através de uma revolução da classe trabalhadora, já que as elites não abdicam de seu poder.

O comunismo seria o passo final dado pela sociedade socialista amadurecida, onde a propriedade dos bens e riquezas seriam coletivos sem a necessidade de intervenção do Estado.

Convém lembrar que Marx desenvolveu suas teorias observando as condições miseráveis e subumanas de vida e trabalho dos operários de seu tempo e que o socialismo/comunismo não é necessariamente ateu (como comprovam vários religiosos que concordaram com sua teoria). Marx era  ateu e criticou acidamente os males de uma religiosidade vendida ao sistema.

Se, por um lado, posso concordar com Marx que cabe ao Estado ter um papel maior na garantia do bem comum de seus cidadãos (o capitalismo movido apenas pelo individualismo se torna selvagem e excludente – cabe a Estado garantir que a produção de riquezas seja acompanhada de responsabilidade social, ao contrário do que defende o neoliberalismo), mas não posso concordar com as restrições às liberdades individuais que suas teorias propõem, cujas consequências imediatas foram a censura e a matança nos países onde o socialismo foi implantado.

Qual a melhor alternativa, então?

Sugiro que adotemos o modelo da igreja primitiva.

"E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos" (Atos capítulo 2, versículos 42 a 47).

Não com base no pressuposto errôneo de alguns estudiosos que consideram a igreja primitiva o exemplo mais primitivo de uma sociedade comunista.

Não – a fantástica visão social daquela comunidade, que conseguiu erradicar a  pobreza de seu meio, não era fruto da coerção estatal, nem tampouco de um projeto coletivista.

Eram decisões individuais de pessoas que sabiam viver não só para si, mas também para o outro.

Este foi o grande erro de Marx: achar que um ideal de justiça pudesse ser alcançado através da coerção de um meio externo (o Estado ou o Partido), quando isto é possível somente através da transformação interior.

Os primeiros discípulos não eram comunistas: viviam em COMUNHÃO – e assim, passaram a considerar suas vidas como um espaço coletivo, destinado a promover o bem comum.

Tudo espontâneo, motivado pelo Evangelho.

Simples assim. E eficiente assim.

E neste modelo eu boto fé.

_________________________________________________
*Para alguns críticos do comunismo, esta é uma grande contradição de Marx: se a dialética histórica exige a constante transformação da sociedade, não é possível sua cristalização em um clímax – logo, o comunismo estaria fadado a ser superado por outra forma de organização econômico/social.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

CARACTERÍSTICAS DO FALSO LÍDER

Estava estudando um pouco sobre a área de Recursos Humanos nesta tarde e tive a oportunidade de me deparar com o texto de Patrícia Bispo intitulado "10 Características do Falso Líder", ao visitar o site www.rh.com.br.

Guardadas as devidas proporções, o texto é perfeitamente aplicável aos meios eclesiásticos.  Segue abaixo um breve resumo de seus tópicos.

Leia e tire suas próprias conclusões!

10 CARACTERÍSTICAS DO FALSO LÍDER:

1. Acha que sabe tudo ou, na melhor das hipóteses, reconhece que precisa aprender - mas não com aqueles que integram seu time;

2. Resiste a qualquer programa de desenvolvimento de Lideranças;

3. Repudia parcerias;

4. Delega tarefas, cobra resultados e determina prazos, mas atrai para si todos os méritos e louros pelo trabalho executado;

5. Acha que todos cobiçam sua posição;

6. Considera comunicação interna perda de tempo;

7. Utiliza a agressão verbal como forma de "estímulo";

8. Não é acessível;

9. Sua equipe é a sua cara, ou seja, carrega em si as sequelas (físicas, psicológicas e espirituais) de estarem sob seu jugo;

10. Ao avaliar seus liderados, não consegue ver neles nenhuma qualidade, e enfatiza apenas as falhas.

sábado, 13 de novembro de 2010

SÉRIE SABERES ESSENCIAIS À VIDA (I): APRENDER A TRANSCENDER SEU TEMPO

Todo ser humano é um produto de seu tempo. Depara-se, ao nascer, com uma realidade que o antecedeu, e que constitui o arcabouço conceitual para sua formação, o pano de fundo de si mesmo.

Isto torna extremamente falível referir-se a qualquer pessoa sem levar em conta o contexto cultural que moldou sua cosmovisão.

Esta assertiva, que exige sensibilidade e empatia para analisarmos o legado deixado por outros (mormente das gerações passadas), não pode estar a serviço da previsibilidade.

Sim, pois apesar de todo ser humano ser produto de seu tempo, os seres humanos não são apenas fruto de seu tempo.

Todas as eras dão testemunho de homens e mulheres que, discernindo as imperfeições de seus dias, viveram à frente de seu tempo.

Se assim não fosse, a História não teria mobilidade e já teria se cristalizado - felizmente não é esta a realidade histórica, e disso dão testemunho os movimentos reformistas, abolicionistas, de direitos civis, de emancipação política.

As características de injustiça, desigualdade, intolerância, opressão e alienação religiosa não foram uma unanimidade, nas épocas em que mais assolaram a humanidade.

Isto só foi possível graças ao exercício da crítica sobre o próprio tempo, o que confere a capacidade de transcender ao tempo.

Abrir mão deste exercício significa não procurar visualizar possibilidades maiores e melhores de existência, abrindo mão do gerenciamento de si próprio.

É o conformismo como estilo de vida.

 É por isso que a advertênia de Paulo é tão relevante: "E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus". (Romanos 12.2)

Conhecer a vontade de Deus significa adquirir critérios para discernir e viver a vida que não estão sujeitos às limitações e temporalidade humanas.

Por isto não podemos aceitar viver uma vida de apatia, irreflexão e distanciamento de Deus - pois qual é a promessa deste tempo a nós?

Qual o perfil de ser humano que o século XXI, na sociedade brasileira pós-moderna nos apresenta?

Viver sob o signo do individualismo, consumismo e cinismo? Da indiferença, alienação, coisificação de si e dos outros e da sexolatria? Do niilismo e desesperança?

Reproduziremos tudo isto? 

Seremos retrato de nosso tempo ou, com a ajuda do Deus eterno, viveremos à frente de nosso tempo?

Que esta lição possa ser aprendida com muita urgência.

sábado, 6 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DÍZIMO: ATO DE FÉ OU ATO DE AMOR?


Não foram poucas as vezes em que vi pessoas definirem o dízimo como um ato de fé.

Em primeiro lugar, reconheço que tal definição se tornou lugar-comum no meio evangélico, sendo usada de forma bastante corriqueira. Nem tampouco quero sugerir que todos que compreendem o dízimo desta forma o fazem por má-fe. Mas discordo de tal definição, por considerá-la extremamente nociva.

Por quê?

Porque quando o dízimo é definido como um ato de fé, as pessoas dizimam pela motivação errada: para receber mais em troca.

É a institucionalização da agiotagem para com Deus: dar agora, para depois Ele pagar com juros.

Na prática, esta é a "fé" que é suscitada através desta concepção do dízimo.

É por isso que prefiro definir o dízimo como um ato de amor.

Definir o dízimo como um ato de amor é defini-lo a partir de nossas motivações, ou seja, como expressão concreta de nossa solicitude com o Reino de Deus e solidariedade para com o próximo, e renúncia ao individualismo e materialismo.

Dentro de tal definição, o elemento “receber” não tem importância.

É nocivo definir o dízimo como um ato de fé porque fazer assim é defini-lo a partir de resultados – algo que é comprovado pelos inúmeros testemunhos de dizimistas, sempre enfatizando o retorno financeiro que obtiveram.

Nunca vi nenhum dizimista testemunhar acerca da simples alegria proporcionada por servir ao Senhor com seus recursos...

Por isso prefiro a definição oposta, pois creio que ela coloca o dízimo no lugar certo: como forma de cumprir o mandamento do Senhor (Marcos 12.29-31; 1Coríntios 13.3).  

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

SE EU TIVESSE SIDO UM BEATLE


Em 1980, em uma de suas últimas entrevistas (Revista VEJA, n.º 641, 17 de dezembro de 1980), John Lennon rechaçou mais uma vez a ideia de que os Beatles, já separados há 10 anos, se reunissem novamente - desta vez, recusando também a ideia de realizar shows filantrópicos, sugerida pelo jornalista que o entrevistou.

O músico era cético quanto a práticas de assistencialismo, além de discordar da ideia de que ele, pessoalmente, devesse ser responsável pela diminuição da pobreza no mundo.

“De onde as pessoas tiraram essa ideia de que os Beatles deveriam dar 200 milhões de dólares para a América Latina? Olha, os Estados Unidos já despejaram bilhões em lugares como esse. Não significou nada. Depois que os 200 milhões se forem o que acontecerá? É um círculo vicioso. Pode-se despejar dinheiro infinitamente. Depois do Peru, o Harlem; depois a Inglaterra. Não haverá um concerto.Teríamos de dedicar o resto da vida a uma excursão mundial, e eu não estou preparado para isso. Não nesta vida, pelo menos”.

Ao ler a entrevista, fiquei decepcionado com tal declaração, ainda mais porque a hipótese apresentada a John Lennon não era de todo infundada: a banda seria capaz de mobilizar grandes quantias para a flantropia - um dado facilmente constatável pela enorme rentabilidade da marca "Beatles" mesmo hoje, após 40 anos da separação da banda! 

Entäo, lamentei por não ter pessoalmente, como John Lennon, poder para reduzir sensivelmente a pobreza no mundo e fiquei imaginando como tudo seria diferente se eu estivesse no lugar dele.

Por instantes, desejei ter a mesma oportunidade que ele teve.

Mas isto é apenas devaneio.

Preocupante mesmo é a declaração de Ronald J. Sider em "O Escândalo do Comportamento Evangélico" (ed. Ultimato) de que apenas o dízimo da igreja americana seria renda privada suficiente para acabar com a miséria no mundo (pág. 22).

E como está sendo gasta essa grana...?

Lamento novamente, engulo em seco e tomo fôlego.

Tomo fôlego quando contemplo meu contexto particular de vida e as realizações que ele exige e ao mesmo tempo promete.

Mesmo sabendo que não tenho o mesmo potencial que outros teriam para realizar ações grandiosas (e não o fizeram), dentro do círculo que Deus me confiou sei que posso agir de forma legitimamente relevante, alcançando resultados significativos. 

O segredo não é o potencial em si, mas a responsabilidade que cada um assume diante de seu potencial, o que irá determinar a sua utilização.

Tomo fôlego e sigo em frente, enfim, porque concluo que Deus não vai nos julgar por quem não fomos, nem pelo bem que não tivemos oportunidade de fazer, mas por quem somos e como usamos os nossos talentos.