Os puritanos tinham um ditado: “fale mais alto, pois o som de suas atitudes encobre o som de suas palavras”.
De fato, a hipocrisia consiste em causar uma cisão entre o discurso, o ser e a prática.
Todavia, o estreito rigor do ditado puritano não é totalmente cabível, pois considera as incoerências humanas apenas uma questão de hábito, prescrevendo (e, pior, pressupondo a possibilidade de) coerência constante para vencê-las.
Tal abordagem minimiza a complexidade da condição humana sob o jugo do pecado.
Sim, pois nem sempre é possível manter, consciente ou inconscientemente, perfeita harmonia entre o que cremos, sentimos, pensamos e fazemos a nós cabendo, não poucas vezes, apenas a constatação desta triste realidade, já que nos faltam recursos para compreendê-la. Paulo concordaria com esta afirmação.
“Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros”. (Romanos 7.15, 22-23)
Nem sempre aquilo que fazemos reflete o melhor que somos.
Nem sempre nossos atos são a perfeita medida de nosso ser.
Em sua condição de pecador (que implica muito mais que COMETER pecado, mas estar sob o EFEITO do pecado), o ser humano encontra-se cindido entre suas motivações, a compreensão e a realização das mesmas. E mesmo aqueles que trilham o caminho do Evangelho e são auxiliados pelo Espírito Santo em seu aperfeiçoamento, têm ainda um árduo trabalho, pois portarem em si ainda as limitações da pecaminosidade.
Por isso todo relacionamento humano exige misericórdia – misericórdia que inspira o esforço altruísta para olhar para além do ato, do gesto e do momento e visualizar a pessoa, reconhecendo um irmão, tanto na ruína quanto no amor de Deus.
É com misericórdia que Deus se relaciona conosco, e não podemos oferecer menos aos outros.
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