O livro do Apocalipse tem como tema "as coisas que em breve devem acontecer" (1.1), mas antes disso traz sete mensagens do Cristo glorificado às igrejas na Ásia Menor: Éfeso, Pérgamo, Esmirna, Sardes, Tiatira, Filadélfia e Laodicéia.
Cada uma das cartas traz repreensões e elogios (com exceção de Esmirna e Filadélfia, que não recebem nenhuma reprimenda e, de forma oposta, Laodicéia, que não recebe nenhum elogio) e uma promessa àqueles, que dando ouvidos à voz do Espírito Santo, seriam vitoriosos.
A primeira carta dirige-se á igreja em Éfeso. Esta fora uma comunidade privilegiada, tendo sido beneficiada pelo trabalho ministerial do apóstolo Paulo (registrado no livro de Atos) e, posteriormente, do apóstolo João (conforme as declarações dos Pais da Igreja).
“A o anjo da igreja em Éfeso escreve: Estas coisas diz aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candeeiros de ouro: Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os achaste mentirosos; e tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer.Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Apocalipse 2.1-5)
Éfeso foi elogiada por sua ortodoxia, mas repreendida por ter abandonado o fervor de seu amor, tornando-se lembrete permanente de que o Cristianismo não se resume apenas a dogmas que enchem a mente, mas não inflamam o coração.
É digno de nota que a igreja também foi elogiada por odiar as falsas doutrinas dos nicolaítas, assim como Cristo as odiava (versículo 6).
"Tens, contudo, a teu favor que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio".
Ler esta passagem me trouxe um triste pensamento sobre a realidade da Igreja.
É ponto pacífico que os valores e conceitos do cristianismo devem produzir na Igreja uma postura de não-conformismo, intransigência e a aversão a todas as formas do mal (no caso da igreja em Éfeso, as perversões ensinadas e praticadas pelos nicolaítas) – que são, em essência, expressões da pecaminosidade humana, promovendo injustiça, desumanização e desarmonia do homem com Deus e consigo mesmo. Sendo assim, faz parte do discurso cristão a crítica e a denúncia. O compromisso cristão de amar a justiça implica odiar a injustiça em contrapartida, no ato de compartilhar do sentimento do próprio Senhor (Hebreus 1.9).
Esta medida de zelo não deve diminuir.
O que me entristece é que a Igreja aprendeu de uma forma distorcida esta lição, de forma que ela se tornou mais rápida em odiar do que em amar.
Na tentativa de defender seus valores diante de um mundo corrompido, a Igreja tem se distanciado do legítimo criticismo cristão, que analisa de forma justa os fatos, pautado no Evangelho, e que, em amor, visa sempre a restauração do ser humano.
Ao invés disso, tem se especializado em detração.
Aponta o pecado com prazer, e não com lágrimas nos olhos.
Não poucas vezes tem apresentado ao mundo um espírito inflamado que mais se assemelhou à postura vingativa de João e Tiago diante dos samaritanos (Lucas 9.54) do que zelo legítimo.
Já taxou como pecado muita coisa por pura precipitação e má vontade em ouvir o outro.
Não seguiu o exemplo dos bereanos (Atos 17.11), que pautavam suas conclusões na Bíblia, defendendo preconceitos próprios, transfigurando-os de “cristianismo”.
A cristandade mal consegue dialogar de forma sóbria: o baixo nível dos comentários dos cristãos em debates choca pela falta de civilidade (basta visitar qualquer fórum deste tipo na internet).
O cristianismo adotou uma mentalidade de pitbull.
E todo pitbull é assustador - e ao escrever estas linhas, penso nas milhares de pessoas que evitam a Igreja, horrorizadas com tanta ferocidade.
E isto torna a mensagem de Éfeso tão relevante, e a repreensão do Senhor urgente de ser ouvida também nos dias de hoje: o ódio, quando dissociado do amor, produz aberrações – mesmo na tentativa de promover uma causa justa.