Há uma interessante curiosidade teológica no Evangelho de João.
O apóstolo declara seu propósito ao redigir seu Evangelho nos versículos 30 e 31 do capítulo 21: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
Existem duas variantes textuais do versículo 31 que quebram a cabeça dos teólogos: há manuscritos que trazem a redação “estes, porém, foram registrados para que creiais (gr: pisteusete) que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”; outros manuscritos trazem “estes, porém, foram registrados para que continueis crendo (gr: pisteuhte) que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”. No caso, a diferença é gerada pela presença/omissão da letra sigma, que altera o tempo do verbo.
Se a primeira leitura for a correta, o objetivo de João ao escrever o Evangelho era prioritariamente evangelístico.
Caso a segunda variante seja a certa, o objetivo de João era eminentemente pastoral, ou seja, de edificar a fé de seus leitores já convertidos ao Evangelho.
Aparentemente, um grande enigma!
Jesus, ao que tudo indica, não se incomodaria com esta questão. Um incidente do próprio Evangelho de João ilustra isso: a ressurreição de Lázaro.
Aqueles que leram o capítulo 11 de João estão a par do desenrolar dos acontecimentos: Jesus recebe o pedido de Marta e Maria em favor de seu irmão Lázaro, que se encontrava enfermo. Aquela família já possuía um antigo histórico de amizade com o Mestre, mas mesmo encontrando-se em uma região próxima a Betânia, Jesus não se dirige imediatamente à casa de seus amigos, e nesse meio tempo Lázaro falece. Quando finalmente Jesus chega a Betânia, seu amigo já se encontrava sepultado há quatro dias.
E então ocorre um milagre maior que uma cura: Jesus ressuscita Lázaro.
Atente bem nos versículos 14, 15 e 16, onde Jesus revela a seus discípulos o motivo de sua “demora”.
Lázaro morreu; e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais crer (pisteushte); mas vamos ter com ele.
Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com ele.
Note bem que Jesus falava com pessoas de fé; que já haviam crido nEle. Mas Jesus não se interessa de forma simplista pelo binômio crer/não crer. Importa para ele não só a existência da fé, mas o amadurecimento dessa fé.
E preste atenção que Jesus disse isso a homens que estavam dispostos a ir a Betânia para morrer com ele! Aparentemente, fizeram a suprema demonstração de fé – e Jesus viu quanto tinham ainda de amadurecer...
Quem crê precisa continuar crendo, e de forma cada vez melhor.
Ao compreender isto, perceberemos que as duas variantes textuais de João 20.31 apresentam conceitos complementares e indissociáveis sobre a fé, sendo capazes de, assim, ao romper com uma abordagem simplista à fé e ao discipulado cristão, chegar mais perto da mente de Cristo, e iniciar os passos necessários ao amadurecimento.
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