Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais
“Casa no campo”, composta por Zé Rodrix e Tavito, tendo sua mais marcante interpretação na voz de Elis Regina, é considerada uma das mais idílicas canções da música popular brasileira.
Agora mesmo acabo de ler um comentário de um fã entusiasmado sobre o “sonho de vida” que a canção propõe.
Realmente, as imagens que a música apresenta são encantadoras e convidativas: viver em um ambiente tranqüilo, longe de agitação, aproveitando os prazeres simples e essenciais da vida.
Quem não teve vontade de viver algo parecido?
Há, porém, um elemento na música que me chama muito a atenção e considero necessário submeter à crítica: o fato de que o refúgio tranqüilo de “Casa no Campo” é concebido como o abandono da metafísica (a investigação das questões subjacentes à realidade visível).
Veja bem:
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
A visão de “paz” que a música apresenta requer o abandono de quaisquer tentativas de responder às questões últimas da vida, conformando-se com a realidade visível. Um estilo de vida escapista e materialista.
Nesta concepção, Deus e a fé ficam de fora da “Casa no Campo”.
Por quê?
Pensar naquilo que está além da superfície é penoso?
A fé implica em sofrimento?
De certa maneira, sim.
Escrevendo este post, lembro-me das palavras de James Montgomery Boyce, de que ser cristão implica em sofrimentos, naturalmente decorrentes de uma vida de renúncia ao egocentrismo, viver valores culturalmente não aceitos e dos conflitos espirituais inerentes a esta dinâmica.
Vendo por este ângulo, a proposta da “Casa no Campo” torna-se convidativa. Perigosamente convidativa.
Para nós, que temos naturalmente a tendência a relegarmos Deus a segundo plano e vivermos uma vida “tranqüila”, centralizando-a em nossas convicções e interesses, o abandono da metafísica parece ser uma excelente idéia!
Paulo mesmo chegou a imaginar como seria a vida em tais termos: “comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1.ª aos Coríntios 15.32).
Todavia, pensar assim causa um estranho desconforto. A sensação de que algo está errado, o que leva a romper com a vida proposta na “Casa no Campo”.
O que seria?
O fato de que não podemos deixar de conta o aspecto transcendental no qual nossa existência está inserida. Fazer isto significaria abrir mão de um significativo aspecto de nossa humanidade.
A existência humana não cabe em um reducionismo materialista.
Deus é grande demais para que deixemos de considerá-Lo e Ele está diante de nós, apresentando-se como parte de nossa realidade, reivindicando o exercício de Seu Senhorio sobre nossas vidas e de Sua redenção sobre nossas histórias.
Como o apóstolo disse, concluindo seu argumento sobre o que o levava a viver como cristão, aceitando todos os sofrimentos que sua carreira de pregador acarretava: "Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem." (1.ª aos Coríntios 15.20)
Sendo assim...
Posso até querer uma casa no campo (mas não muito longe da cidade, por favor!).
Um lugar para meus amigos.
Meus discos e livros.
E também para o meu Deus. Ele é indispensável.