Esqueça Darwin com a Teoria da Evolução, ou mesmo Nietszche,
que alardeou pelos quatro cantos a bravata de que Deus estava morto, ou mesmo ainda
um dos neo-ateus da atualidade, como Richard Dawkins.
Não.
O maior prejuízo à fé cristã não veio da boca ou da pena
destes homens – sendo que ”prejuízo”, na concepção deste artigo, não se refere
à perseguição, que tem produzido mártires ao longo dos séculos, ou mesmo à
oposição intelectual, à qual apologetas da Igreja não se furtaram a questionar,
antes se refere ao êxito na:
- popularização de uma cosmovisão com tal índice de sucesso que tal maneira de pensar conseguiu se incorporar à consciência coletiva e;
- sendo tal cosmovisão tão radicalmente oposta ao cristianismo, conseguiu criar um grande entrave para a compreensão do mesmo pela sociedade.
Estou falando de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e seu
conceito sobre a bondade humana inata.
Emilio, ou Da
Educação, a principal obra do filósofo francês, tem como tema principal é a forma ideal de educar as crianças (curiosamente, Rousseau abandonou
seus próprios filhos no orfanato).
No livro, ele defende a famosa tese de que o homem é bom por
natureza, mas a sociedade o corrompe.
De imediato, esta famosa tese apresenta um grave problema de
lógica: como homens que são, em tese, bons, poderiam gerar uma sociedade má? O
filósofo dá a impressão de que a sociedade não é composta por homens. Se a
sociedade é formada pela soma de homens que são naturalmente bons, de onde surgiu
o elemento corruptor que impediu que a soma de homens bons produzissem uma
sociedade boa? O raciocínio de Rousseau neste ponto se assemelha muito ao de
Sartre, que afirmava que “o inferno são os outros”.
Mesmo sendo logicamente inconsistente, a tese de Rousseau
ganhou enorme aceitação popular, ainda que negasse uma importante doutrina
cristã: o estado caído da humanidade, que faz com que o homem seja mau – ou
seja, pecador – por natureza.
É a partir da constatação da queda humana que o cristianismo
apresenta a boa nova de que Deus provê salvação ao homem – homem que, como
conseqüência de seus pecados, encontra-se alienado de Deus, do próximo (daí vem a iniquidade na sociedade) e de si
mesmo.
A sustentação da doutrina da depravação humana não é uma
insistência mórbida de teólogos cristãos (até mesmo porque esta é a mais
empírica de todas as doutrinas cristãs), mas porque não faz sentido falar de
salvação a quem não precisa ser salvo!
Se o homem é bom, de forma inata:
- Ele não precisa de um Deus que o salve – basta apenas desenvolver sua bondade natural (autosoterismo);
- Já que ele é bom, passa a ter mérito diante de Deus – o homem “merece” o céu, “merece” que Deus o abençoe;
- Ele deixa de ter responsabilidade pelo que faz e pelo que é, já que outros o tornaram corrupto;
- O homem passa a ser realmente a medida de todas as coisas (de onde você acha que vêm o famoso conceito “siga seu coração”?) – é estabelecido, então, o antropocentrismo, em seu mais alto grau.
A conseqüência direta da popularização desta tese de
Rousseau foi o esvaziamento de sentido da mensagem do Evangelho, através da
formação de uma nova forma do homem olhar a si mesmo e não se ver mais como
pecador.
A crítica feita à teologia liberal do século XVIII (que, de
forma semelhante a outras linhas de pensamento desenvolvidas desde então é
essencialmente antropológica, tendo reinterpretado o Evangelho negando a
radical necessidade do ser humano ser salvo de sua própria pecaminosidade),
resume bem a como homem moderno e pós-moderno concebe o Evangelho, após fazer a
releitura de si mesmo nos moldes de Rousseau: “Um Deus sem ira enviou um Jesus falível para morrer
desnecessariamente na cruz por uma humanidade sem pecado”.
Este é, então, um dos maiores entraves à compreensão do Evangelho atualmente: Rousseau ajudou (de forma consciente ou não) a humanidade acreditar que não precisa dele.
O homem contemporâneo pode até aceitar um Jesus Mestre, um Jesus Modelo de Vida, um Jesus abençoador - não crê que precisa de um Jesus Salvador, pois não consegue compreender que precisa ser salvo.
Hiroshima. Auschwitz. Vietnã. Serra Leoa. Todas as pequenas mazelas do cotidiano, individuais e coletivas... a história não dá sustentação à tese de Rousseu.
O ser humano é mau. E consegue produzir uma sociedade igualmente ruim.
É triste. E também irônico que o maior prejuízo causado ao
cristianismo em sua história não tenha vindo a partir de uma negação de Deus.
Foi simplesmente uma mentira a respeito da natureza
humana.