Em 2011, a Assembleia de Deus, a maior igreja evangélica do país, completa 100 anos de existência.
Oriunda do pentecostalismo, movimento que buscava resgatar a vitalidade espiritual da igreja, conforme o modelo da Igreja Primitiva, relatado nas páginas do livro dos Atos dos Apóstolos, a denominação sofreu a influência, em sua pregação e ensino, deste movimento, assumindo características que contribuíram para forjar alma do crente assembleiano, como: o fervor devocional, o ministério dinamizado pelos dons do Espírito Santo, a abertura diante das intervenções divinas no cotidiano (sejam curas, milagres, visões ou outras atuações do Espírito Santo), a ênfase em missões e na Segunda Vinda de Cristo.
Qualquer assembleiano que se preze fica doente quando percebe que qualquer um destes elementos encontra-se em baixa em sua comunidade!
O fervor e dedicação das primeiras gerações de assembleianos foi recompensado: não apenas com o crescimento numérico da denominação, mas principalmente pelo avivamento contínuo experimentado pela mesma, traduzido em farta distribuição de dosn espirituais, curas, milagres, evangelismo impactante, dedicação ao Senhor.
Atualmente, a denominação enfrenta sérios problemas (assunto que tratarei em outro artigo), mas neste assunto desejo tratar de um tema que tem íntima relação com a alma assembleiana, chegando a ser problemático: usos e costumes e sua relação com avivamento espiritual.
Não são poucos os irmãos que consideram que os extraordinários resultados espirituais obtidos pela denominação em décadas passadas foi resuldado direto de sua austeridade em questões como vestimentas (proibição de calças para mulheres e bermudas para homens), estética (proibição de jóias, maquiagem, e cabelos curtos para as mulheres e barba para os homens), lazer (proibição da televisão, cinema, música, esportes) e etc. Na busca por santidade, toda a “vaidade” deveria ser vencida.
E estes irmãos crêem sinceramente que a denominação não experimenta o mesmo avivamento porque “relaxou” nestas questões.
Quando alguém tenta oferecer esclarecimento bíblico acerca destes assuntos (pois hoje sabe-se que muitos destes pontos “doutrinários” defendidos com unhas e dentes no passado eram fruto de interpretações errôneas de versículos da Bíblia e da cristalização de aspectos da cultuta do início do século XX), argumentam, céticos: “Quando a denominação seguia tais regras, ela era mais abençoada”.
Aí está uma questão realmente intrigante:
Se hoje sabemos que as antigas regras impostas à denominação não possuem respaldo bíblico, porque os seus maiores picos de avivamento ocorreram quando ela as seguia?
(É sempre é tentador para a alma assembleiana, que anseia fervorosamente por avivamento, ceder a tais argumentos e recrusceder aos tempos do legalismo.)
Arrisco-me a dar uma resposta:
Os antigos usos e costumes adotados pela denominação não dão testemunho de sua correção doutrinária, mas da resolução sincera daquela geração de cristãos em seguir, buscar e agradar ao seu Senhor - submetiam-se a tais regras porque as compreendiam como parte de seu compromisso cristão.
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Porque amavam ao Senhor, submetiam-se a tais coisas, muitas vezes renunciando mesmo ao seu senso de inquirição (sim, pois esta questão nunca foi ponto pacífico para a alma assembleiana: mesmo nos áureos tempos de “santidade” estrita, tais regras eram questionadas), calando-o por amor.
E ao escrever estas linhas não deixo de pensar no ancião que testificou como, quando novo convertido, raspou seus cabelos, em arrependimento contrito, pelo pecado de haver usado gel.
Sandice? Farisaísmo? Ou amor em demasia?
Sendo assim, o segredo não estava nos usos e costumes adotados, mas na devoção que estes usos e costumes traduziam.
O problema das comunidades que não vivenciam o cristianismo de forma dinâmica não é vaidade, libertinagem ou de intelectualização da fé, mas devoção.
Sendo assim, dentre os muitos desafios que cabe à Assembleia de Deus vencer neste segundo centenário de sua existência, ela deve tornar melhor compreendida entre sua membresia a mensagem de Paulo: “Aquele, pois, que vos dá o Espírito e que opera maravilhas entre vós o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (Gálatas 3.5), a fortalecendo a alma assembleiana de qualquer tendência de ceder ao legalismo, ensinando às novas gerações que Cristo pode ser desfrutado da mesma forma que outrora - não só com zelo, mas também com entendimento.